domingo, 28 de abril de 2013

«BONNE-MÈRE»

Paradoxalmente, este navio (francês) que se entregou, enquanto navegou, a um dos tráficos mais infâmes da História da Humanidade -o contrabando de escravos- usou o nome de um santuário mariano de Marselha : o de Notre-Dame de la Garde, a que os devotos locais chamam, muito simplesmente, 'la Bonne Mère' (a Boa Mãe). Construído num estaleiro de Nantes no ano de 1802, o «Bonne-Mère» era um pequeno navio de 206 toneladas e com 26,21 metros de comprimento. O casco deste veleiro de 3 mastros estava revestido com chapas de cobre e a sua coberta estava armada com 4 peças de artilharia. Tinha uma tripulação de 37 hommens. O seu armador foi Mathurin Trottier, que morou na ilha Feydeau (hoje integrada no centro histórico da cidade de Nantes), antes de se instalar nas Antilhas; onde se tornou senhor de engenho e traficante de escravos. Segundo Éric Saugera, que o retratou num precioso livro intitulado «La Bonne-Mère, Navire Négrier Nantais (1802-1815)», Trottier era «bom filho, marido extremoso e pai exemplar; católico praticante, com a descendência baptizada, maçónico (membro de uma loja conhecida pela sua acção caritativa), generoso com os mais necessitados, trabalhador e negociante probo». Mas traficava escravos... Na primeira das várias viagens que fez a África, o «Bonne-Mère» adquiriu 303 homens e mulheres nas costas da Guiné, que levou para a Martinica, onde os cativos foram vendidos por 450 000 libras. Negócio que proporcionou a Mathurin Trottier uma importante margem beneficiária. Depois de ter sido colocado, algum tempo, na linha Nantes-Londres e de ter navegado com o nome de «Sophie», este veleiro retomou o seu primitivo nome e a sua ignóbil actividade de origem. Desta vez por conta de duas famílias flamengas (também elas instaladas em Nantes) às quais foi vendido. O «Bonne-Mère», que prosseguiu o tráfico negreiro, foi apreendido em 1815 -no porto de Pointe-à-Pitre, Guadalupe- pela guarnição de um vaso de guerra britânico. Não por dedicar-se ao vergonhoso comércio de seres humanos, mas porque se encontrava nas águas de uma ilha que apoiara Napoleão Bonaparte. Depois, nunca mais se soube dele, presumindo-se que tenha sido destruído pelos seus captores. Nota final : as responsabilidades do ignominioso negócio de escravos não podem ser imputadas, exclusivamente,  aos traficantes europeus e americanos. Em suma, aos brancos. Houve, com efeito, também muitos régulos africanos que fizeram fortunas colossais à custa da venda de seres humanos -seus irmãos de raça- que eles mandavam capturar no interior das terras por grupos armados e treinados para esse fim. Foi, por exemplo, o caso de Opubo Fubara Pepple, um reizeco das costas da Guiné, que tratou sobretudo com os franceses, nomeadamente com os capitães do «Bonne-Mère».

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